janeiro 06, 2016

661 anos da morte de D. Inês de Castro a 07 de janeiro de 1355

"Então, conselheiros e fidalgos, arrastando os oficiais
de justiça, precipitaram-se nas escadas dos Paços,
entraram de roldão na sala, onde já não encontraram
Inês, que fugida para o oratório da sua câmara, rezava
de joelhos, aflitamente, diante de um tríptico de prata,
abraçada aos filhos, no meio das suas covilheiras que
soluçavam em côro. Logo os conselheiros ordenaram
a vários homens que segurassem Inês, e ao algoz que
lhe destroncasse, depressa, ali mesmo, a cabeça. As
aias gritavam como doidas, e o chôro e os berros das
crianças, enchendo os Paços, ouviam-se na rua. Inês,
desgrenhada, com o vestido despedaçado e,
infinitamente mais bela no vinco das expressões
violentas , tinha os filhos agarrados ao peito,
coladamente, na unidade moral, absoluta da sua
carne e do seu amor. Não os queria deixar sós na vida,
entre homens que a apavorava. Queria morrer com
êles – levá-los consigo para a vida eterna da morte.
Mãos selvagens quebraram, à fôrça, em pedaços,
esta alma, feita de almas, êste corpo, feito dos corpos
da mãe e dos filhos. Inês, arrancada dos seus amores,
teve um tão vivo movimento de revolta, que, ao ver um
dos algozes avançar para ela, bravejou, lutou, crispolhe
as mãos na murça vermelha; mas logo outros
homens possantes, aferrando-a rijamente pelos
pulsos, pelas pernas, pelos cabelos, prenderam-lhe
as mãos atrás das costas, deitaram-na repuxaram-lhe
as espáduas, descobriram-lhe a nuca; e o carrasco –
sinistra figura de capuz encarnado! – decepou-lhe de
um golpe a cabeça branca e loira, inundando de
sangue vivíssimo, que borrifou as paredes, aquele
precioso colo de espuma, casto como, por sobre as
nevoadas ínsuas do Mondego, o luar frio dessas
claras noites de Janeiro, - que acontecera um
homem, apiedara um rei, e, inconscientemente, ia
quase perdendo um reino!"


Fonte: FIGUEIREDO, Antero de. O Grande Desvayro. Lisboa: 4.ª
edição, Livrarias Aillaud e Bertrand. 1916, pp. 106-107.