dezembro 29, 2014

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra pronta para receber a Marca do Património Europeu 2014


Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra

Na semana passada, foi tornado público que a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BGUC) surge numa lista de 16 bens culturais recomendados por um painel de peritos independentes para receber a Marca do Património Europeu 2014, decisão que será conhecida em Março de 2015. A Marca, criada em 2008, pela Comissão Europeia, incluía 18 Estados-membros, sendo depois atualizada em 2011. Esta iniciativa pretende “destacar os locais mais importantes da história, da cultura e da integração europeias”.
Os primeiros documentos que atestam a existência da Biblioteca, datados de 1513, dão conta de problemas na canalização na chamada “Casa da Livraria da Universidade”, altura em que dispunha de pouco mais de uma centena de livros (alguns deles encadeados).
Atualmente, a BGUC já com, pelo menos, 501 anos, dispõe de um acervo calculado em aproximadamente dois milhões de livros, sendo a maior biblioteca universitária da comunidade lusófona.
O “edifício novo” da BGUC (na foto), construído aquando das obras estado-novistas, entrou em funcionamento em 1962

Desejos de Ótimo Ano de 2015 para todos!

Um Ótimo, Feliz, Próspero Ano Novo para todos.....


















Viva Fernando Pessoa!

Em qualquer idade, a LEITURA é o ideal...

MUSEU DOS COCHE em Lisboa, muito visitado por alunos...


Liteira do Séc. XVIII, tipo de transporte de dois lugares, sem rodas, puxado por duas mulas.
MUSEU DOS COCHE - Lisboa
Criado por iniciativa da Rainha D. Amélia de Orleães e Bragança, mulher do rei D. Carlos I, o Museu dos Coches Reaes como então se chamava, foi inaugurado no dia 23 de Maio de 1905.
Hoje o Museu reúne uma coleção que é considerada única no mundo devido à variedade artística das magníficas viaturas de aparato dos séculos XVII, XVIII e XIX, e ao número de exemplares que integra.

Feliz Ano de 2015

A todos os nossos leitores, a Biblioteca Escolar deseja um Excelente Ano Novo de 2015...















Quando Eu For Pequeno de José Jorge Letria

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José Jorge Letria

Quando Eu For Pequeno

Quando eu for pequeno, mãe,
quero ouvir de novo a tua voz
na campânula de som dos meus dias
inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
com a certeza dócil de que só o empedrado
e o cansaço da subida
me entregarão ao sossego do sono.
Quando eu for pequeno, mãe,
os teus olhos voltarão a ver
nem que seja o fio do destino
desenhado por uma estrela cadente
no cetim azul das tardes
sobre a baía dos veleiros imaginados.
Quando eu for pequeno, mãe,
nenhum de nós falará da morte,
a não ser para confirmarmos
que ela só vem quando a chamamos
e que os animais fazem um círculo
para sabermos de antemão que vai chegar.
Quando eu for pequeno, mãe,
trarei as papoilas e os búzios
para a tua mesa de tricotar encontros,
e então ficaremos debaixo de um alpendre
a ouvir uma banda a tocar
enquanto o pai ao longe nos acena,
lenço branco na mão com as iniciais bordadas,
anunciando que vai voltar porque eu sou pequeno
e a orfandade até nos olhos deixa marcas.

Aprender com a Biblioteca Escolar....preposições de lugar em Inglês...

dezembro 28, 2014

Balada de Neve de Augusto Gil


Augusto Gil

Balada de Neve

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

"PÉROLA SOLTA" de JOSÉ RÉGIO

JOSÉ RÉGIO, in FILHO DO HOMEM (Portugália, 1961)

PÉROLA SOLTA

Sem que eu a esperasse,
Rolou aquela lágrima
No frio e na aridez da minha face.
Rolou devagarinho...,
Até à minha boca abriu caminho.
Sede! o que eu tenho é sede!
Recolhi-a nos lábios e bebi-a.
Como numa parede
Rejuvenesce a flor que a manhã orvalhou,
Na boca me cantou,
Breve como essa lágrima,
Esta breve elegia.

Sala do Rei e Sala Grande dos Actos na Universidade de Coimbra-a sala mais nobre em Portugal...


Antiga Sala do Rei, foi remodelado pelo mestre Marcos Pires durante a segunda década do século de quinhentos. Foi na Sala Grande dos Actos que ocorreram importantes episódios da vida da nação portuguesa, não fosse esta a Sala do Trono do Paço Real da Alcáçova, onde foi a aclamação de D. João I, Rei de Portugal. Esta alcáçova foi também o local onde viveram todos os Reis de Portugal durante a primeira Dinastia Portuguesa (1143-1383). Em meados do século XVII a Sala dos Capelos foi definitivamente transformada pelo mestre construtor António Tavares, mestre responsável por muitas outras obras da Universidade. Estas remodelações foram patrocinadas e levadas a efeito durante o reitorado de D. Manuel de Saldanha. No início do século XVIII a Sala voltou a ser submetida a obras, então dirigidas por Gaspar Ferreira que, entre outras coisas, renovou as coberturas e reforçou as paredes, fechando as janelas, varandas e portas manuelinas. A pintura dos painéis do teto é da autoria de Jacinto Pereira da Costa. Todas as obras gerais de pintura datam dos anos em torno de 1655, nas quais trabalharam em empreitadas de menor vulto Inácio da Fonseca e Luís Álvares. As grandes telas com as figuras dos Reis de Portugal, desde D. Afonso Henriques até D. João IV, são da autoria do pintor Carlos Falch, um dinamarquês radicado em Portugal. As restantes são da autoria de diversos artistas (como João Batista Ribeiro, Columbano), e foram sendo colocadas de acordo com a sucessão dos monarcas. O trabalho de carpintaria esteve a cargo de mestre Francisco de Morais, também responsável pelas molduras para os retratos pintados por Carlos Falch. As grades de madeira exótica foram executadas por Manuel da Costa e André de Almeida. Os azulejos com uma magnífica policromia e do tipo tapete foram fabricados em Lisboa. Das diversas cerimónias que aí têm lugar destaca-se como primeira e mais emblemática a defesa de tese do Doutoramento, prova obrigatória para a obtenção do grau de Doutor. O candidato deve apresentar-se devidamente trajado com o hábito talar (calça preta – ou saia, para as senhoras, batina, camisa branca, capa preta comprida e sapatos pretos) perante o júri, também envergando as vestes talares. Após a prova, o novo Doutor dirige-se de novo à Sala dos Capelos para solicitar ao Reitor as insígnias doutorais: a Borla (pequeno chapéu que simboliza a inteligência) e o Capelo (pequena capa curta de seda e veludo que simboliza a ciência), ambos da cor correspondente à Faculdade que concedeu o grau académico. Esta cerimónia solene, designada por Imposição de Insígnias , conta com a presença de todos os Doutores da Universidade, que se apresentam com as insígnias. Presente na cerimónia está igualmente a charamela (pequena orquestra que ocupa o estrado de madeira, ao fundo da sala, do lado direito) que termina a cerimónia tocando o Hino Académico. Outro tipo de cerimónia que acontece nesta sala é o chamado doutoramento honoris causa. A Universidade pode conceder o grau de Doutor a individualidades, nacionais ou estrangeiras, que se tenham distinguido na ciência, arte, literatura, economia, política, direitos humanos, etc... O protocolo observado nesta cerimónia é idêntico ao utilizado durante a imposição de insígnias doutorais

Lampreia de Ovos do Mosteiro de Santa Clara

Coimbra das Doçuras | A História da Cidade contada em Doces

Lampreia de Ovos do Mosteiro de Santa Clara

É sobretudo ao Mosteiro de Santa Clara que se atribui a origem da Lampreia de Ovos, um doce de Natal em forma de lampreia, composto por capas e fios de ovos, decorado com fruta cristalizada e glacê. Era normalmente comercializado em bonitas caixas com papel colorido e recortado.
Nas casas religiosas as claras de ovos eram utilizadas para engomar, e a doçaria conventual pode evoluir graças ao aproveitamento das grandes quantidades excedentárias de gemas, dando origem a inúmeras receitas. Diz-se até que, em tempos, o nosso país terá sido o maior produtor de ovos do mundo e o maior exportador de claras.
Inicialmente, o mel era o principal adoçante utilizado na cozinha conventual, mas, a partir da exploração da cana-de-açúcar no Brasil, nos séculos XV e XVI, o açúcar passou a estar disponível em maior quantidade e a preço reduzido, e, para além de medicamento, passou a ser um ingrediente comum nas receitas de doces, contribuindo para a desenvolvimento da doçaria conventua

dezembro 26, 2014

Poema de David Mourão-Ferreira


Natal à beira rio

É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurreta.

Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

David Mourão-Ferreira

Todos a ler....

Só bons conselhos...

Portas de Ródão, um dos geossítios do Geoparque Naturtejo da Meseta Meridional


As Portas de Ródão são uma formação geológica situada perto de Vila Velha de Ródão, resultante da intersecção do duro relevo quartzítico da Serra das Talhadas com o curso do rio Tejo. Neste local há um estreitamento do vale, que aqui corre entre duas paredes escarpadas, que atingem cerca de 170 m de altura, fazendo lembrar duas portas, uma a norte no distrito de Castelo Branco, Beira Baixa, e outra a sul no concelho de Nisa, distrito de Portalegre, Alto Alentejo. O encaixe do Tejo começou por erosão remontante, há cerca de 2,6 milhões de anos, aproveitando acidentes tectónicos associados à falha do Pônsul, e decorreu em várias etapas, reflectidas em terraços fluviais e plataformas embutidas por erosão, mais visíveis na margem direita a montante das Portas. O grande lago e as grandes profundidades imediatamente a jusante das Portas testemunham a imponência da queda de água que aqui terá existido antes de se atingir a actual fase de equilíbrio. No topo da porta norte, que é facilmente acessível por estrada, situa-se o pequeno castelo do Rei Wamba. Deste local vislumbra-se um vasto panorama sobre o vale do Tejo a jusante das Portas, com o Conhal do Arneiro, na margem esquerda, e o povoado paleolítico de Vila Ruivas, na margem direita. As Portas de Ródão são igualmente um local privilegiado de observação da avifauna, servindo de habitat à maior colónia de grifos de Portugal, assim como à cegonha-preta ou ao milhafre-real. É um dos geossítios do Geoparque Naturtejo da Meseta Meridional

Aqueduto da Amoreira em Elvas, Património Mundial da Humanidade...


O Aqueduto da Amoreira, juntamente com as muralhas, constitui o emblema da cidade de Elvas. O deficiente abastecimento de água a Elvas, tanto ao perímetro militar como à população, levou a que, nos finais do século XV(1498), se criasse um imposto - o Real de Água. Este tributo recaía sobre os bens de consumo e estendeu-se ao resto do país, vindo somente a terminar com a implantação da República. O Aqueduto da Amoreira, iniciado em 1530, foi uma obra que se prolongou por um século. D. João III enviou o arquiteto régio Francisco de Arruda a Elvas para realizar o empreendimento que levasse água da Amoreira até à cidade. Foi um trabalho começado por este arquiteto e continuado pelos mestres Afonso Álvares, Diogo Marques e Pero Vaz Pereira. A sua construção envolveu, por vezes, problemas de grande complexidade. Foi uma obra muito dispendiosa que levou à criação do citado imposto e a outras alternativas, por vezes curiosas, como por exemplo o pagamento de uma multa a quem faltasse à Procissão do Corpo de Deus. Para ver o seu aqueduto terminado, a cidade de Elvas só se subjugou a Filipe II, na condição de este monarca concluir as suas obras. As dificuldades, tanto económicas como técnicas, contribuíram para a morosidade dos trabalhos, que foram concluídos em 1622. Esta é uma construção realizada numa extensão de 7054 metros, constituindo uma notável obra de engenharia, formada por quatro ordens de arcos, com 31 metros de altura, sustentados por robustos contrafortes. O Aqueduto da Amoreira tem, na sua totalidade, 843 arcos e ainda algumas galerias subterrâneas com mais de 6 metros de profundidade. Parte integrante deste monumento é a sua cisterna, da autoria do arquiteto militar Nicolau Langres. A notável cisterna é abobadada e à prova de bomba, apresentando 58 metros de comprimento por 5 de largura, 8 de altura, 25 degraus e 23 000 metros cúbicos de capacidade.

Poema de EUGÉNIO DE ANDRADE

EUGÉNIO DE ANDRADE, in AS MÃOS E OS FRUTOS (Limiar, 1977)

TU ÉS A ESPERANÇA, A MADRUGADA

Tu és a esperança, a madrugada.
Nasceste nas tardes de setembro,
quando a luz é perfeita e mais dourada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.

Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.
Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha, onde meus olhos bebem,
fundo, como quem bebe a madrugada.

"NATAL DIVINO" de MIGUEL TORGA



MIGUEL TORGA

NATAL DIVINO

Natal divino ao rés-do-chão humano,
Sem um anjo a cantar a cada ouvido.
Encolhido
À lareira,
Ao que pergunto
Respondo
Com as achas que vou pondo
Na fogueira.
O mito apenas velado
Como um cadáver
Familiar…
E neve, neve, a caiar
De triste melancolia
Os caminhos onde um dia
Vi os Magos galopar…

Marco miliário romano nas margens do rio Tãmega em honra do Imperador Flávio...em Chaves





Feliz Natal em várias línguas....



merry-christmas

Como foi o seu Natal?
Desejamos que tenha sido excelente...

dezembro 24, 2014

... um bom livro, claro....






             Feliz e Santa Noite de Natal na companhia de um bom livro, claro....

NATAL CHIQUE de Vitorino Nemésio



NATAL CHIQUE

Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.
Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.
Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado…
Só esse pobre me pareceu Cristo.

Vitorino Nemésio

~~Liberdade~~Fernando Pessoa

~~Liberdade~~

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro".

Poema do Menino Jesus, de Alberto Caeiro (heterónimo de Fernando Pessoa)



Poema do Menino Jesus, de Alberto Caeiro (heterónimo de Fernando Pessoa)

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

Alberto Caeiro