Na hora de recordar um grande escritor, filósofo, semiólogo
e bibliófilo italiano de fama internacional não posso esquecer A
Biblioteca, livro com uma crítica às
bibliotecas, que partiu de uma conferência dada no dia 10 de março de 1981, data
de comemoração dos vinte e cinco anos de atividade da Biblioteca Municipal de
Milão.
... Um dos mal-entendidos que dominam a noção de biblioteca é o
facto de se pensar que se vai à biblioteca pedir um livro cujo título se
conhece. Na verdade acontece muitas vezes ir-se à biblioteca porque se quer um
livro cujo título se conhece, mas a principal função da biblioteca, pelo menos a
função da biblioteca da minha casa ou da de qualquer amigo que possamos ir
visitar, é de descobrir livros de cuja existência não se suspeitava e que,
todavia, se revelam extremamente importantes para nós.
... A função ideal de uma biblioteca é de ser um pouco como a loja
de um alfarrabista, algo onde se podem fazer verdadeiros achados e esta função
só pode ser permitida por meio do livre acesso aos corredores das
estantes.
... Se a
biblioteca é, como pretende Borges, um modelo do Universo, tentemos
transformá-la num universo à medida do homem e, volto a recordar, à medida do
homem quer também dizer alegre, com
a possibilidade de se tomar um café, com a possibilidade de dois estudantes numa
tarde se sentarem numa maple e, não digo de se entregarem a um amplexo
indecente, mas de consumarem parte do seu flirt na biblioteca, enquanto retiram
ou voltam a pôr nas estantes alguns livros de interesse científico, isto é, uma
biblioteca onde apeteça ir e que se vá transformando gradualmente numa grande
máquina de tempos livres...».
Umberto Eco, A Biblioteca
(1998)