O PRESÉPIO TRADICIONAL ALGARVIO
No século XIX, no barrocal algarvio, nove dias antes do Natal,
preparava-se a casa para armar o presépio ou armar o Menino, em cima
da cómoda que estava em frente da porta da casa de fora. No chão, à
frente, ficava uma esteira de empreita, muitas vezes com motivos
geométricos polícromos. A cómoda era revestida com uma toalha branca e
com larga renda pendente. Em cima, colocava-se um pequeno trono em
escadaria, também conhecido por altarinho, escadaria, penha ou charola,
que imitava o altar-mor da igreja. À medida que se elevava, os degraus
eram mais estreitos. Outras vezes, colocavam-se as medidas de cereal, em
escadaria, para se formar o trono. Este era coberto com um lençol ou
toalhas de linho, com uma dobra de lençol de lindas rendas, com panos
bordados pela dona da casa ou pelas filhas solteiras, onde abundavam
motivos de cor azul e encarnada.
Construído o trono, começava-se por
ornar o Menino. As searinhas, germinadas dentro de chávenas ou pires
pequenos, eram colocadas, no trono, com arte.
O trono era ladeado de
jarras com verdura, onde sobressaía a murta, o loureiro, o alecrim, a
aroeira e a nespereira. Nas paredes da sala, onde estava armado o
Menino, colocavam-se também ramos de laranjeira, com laranjas, de
loureiro ou ainda de nespereira. Outras famílias faziam um arco de
verdura, à frente do trono.
Finalmente, colocava-se o Menino, feito
pelo pinta-santos. O vestidinho fora já cuidadosamente lavado e passado a
ferro. Outras vezes, vestia-se o Menino de novo. Este era o encanto das
crianças, que não se cansavam de olhar para Ele, apesar do seu aspecto
não invocar grande piedade, pois fora feito por um vulgar artesão. A mãe
preparava uma lamparina (copo com azeite e pavio com fios de linho) e
colocava-a em cima de um pratinho, à frente do Menino.
Uma
característica, muito peculiar do Barrocal, é ornamentar o trono com
laranjas. Ao lado do presépio colocam-se também cachos de laranjas
dependurados na parede. Na zona marítima de Olhão, nas primeiras décadas
do século XX, as searinhas estavam dentro das latas de conserva de
sardinha.
A presença das searinhas no presépio é compreendida pelo
povo como uma bênção. São colocadas para o Menino “as abençoar” e para
“dar muito pão às sementeiras”. Depois das festas, havia também o
costume de colocar as searinhas no campo para crescerem porque estavam
abençoadas. Mais tarde, o trigo recolhido era para mezinhas caseiras.
Para ornar o presépio e torná-lo mais vistoso, para além do trigo,
introduziam-se outras espécies de sementes – aveia, cevada, lentilhas,
alpista, tremoços, etc. – que são semeadas no dia 8 de Dezembro, festa
de Nossa Senhora da Conceição. No concelho de Tavira, também se semeiam
ervilhacas e grão de bico, no dia 1 de Dezembro, a fim de haver tempo
suficiente para a germinação.
No Barrocal, as laranjas, colocadas no
presépio, não eram apenas para ornamento. Possuir laranjas era sinal de
distinção. Quando um afilhado ou pessoa amiga fazia uma visita na
quadra natalícia, dava-se uma laranja que estava no presépio. Se vinha o
médico ou o prior a casa, as famílias ficavam muito felizes e
sentiam-se honradas se eles retirassem uma peça de fruta do seu
presépio.
As imagens do Menino Jesus devem-se essencialmente aos
pinta-santos ou faz-santos algarvios que surgiram no século XIX. Estes
procuraram reproduzir as imagens dos imaginários, sobretudo o Menino
Jesus e Jesus crucificado que, no Algarve, se chama Pai do Céu. A
maioria das famílias algarvias, da zona do Barrocal e da Serra, no
Sotavento, tinham em casa uma destas imagens. Era costume os pais
oferecerem aos filhos, como prenda de casamento, a imagem do Menino
Jesus e/ou do Pai do Céu, para ser colocada na casa de fora do novo lar.
Na orla marítima, encontra-se a mesma tradição, sobretudo nos concelhos
de Castro Marim e Tavira.
Estas imagens, de origem e
características populares, criadas pelos pinta-santos, têm,
habitualmente, cerca de 20 cm de altura e surgem colocadas em cima de
uma penha de madeira.