Um retrato do País redigido há quase 150 anos pelo genial Eça de Queirós, que bem se adequa ao Portugal em que hoje vivemos!...
«O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão
dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A
prática da vida tem por única direcção a
conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há
instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há
nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos
homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média
abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na
miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O
desprezo pelas ideias aumenta a cada dia. Vivemos todos ao acaso. (…) A
ruína económica cresce, cresce, cresce. As quebras sucedem-se. O pequeno
comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é
lamentável. O salário diminui. O Estado é considerado na sua acção
fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. (…) A ignorância pesa
sobre o povo como uma fatalidade. O número das escolas só por si é
dramático. O professor é um empregado de eleições. (…) No entanto a
intriga política alastra-se. O país vive numa sonolência enfastiada. (…)
Não é uma existência, é uma expiação. A certeza deste rebaixamento
invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o país está
perdido! Ninguém se ilude.»
(in "As Farpas", 1871)