JOSÉ SARAMAGO, in A MAIOR FLOR DO MUNDO (Ed. Caminho, 2001)
 As histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito simples. Quem me dera saber escrever essas histórias. 
 Se eu tivesse aquelas qualidades, poderia contar, com pormenores, uma 
linda história que um dia inventei. Seria a mais linda de todas as que 
se escreveram desde o tempo dos contos de fadas e princesas encantadas… 
 … havia uma aldeia. 
 …e um menino. 
 Sai o menino pelos fundos do quintal, e, de árvore em árvore, como um 
pintassilgo, desce o rio e depois por ele abaixo. Em certa altura, 
chegou ao limite das terras até onde se aventurara sozinho. Dali para 
diante começava o “planeta Marte”. 
 Dali para diante, para o nosso menino, será só uma pergunta: Vou ou não vou? E foi. 
 O rio fazia um desvio grande, afastava-se, e de rio ele estava já um 
pouco farto, tanto que o via desde que nascera. Resolveu cortar a 
direito pelos campos, entre extensos olivais, ladeando misteriosas sebes
 cobertas de campainhas brancas, e outras vezes metendo pelos bosques de
 altas árvores onde havia clareiras macias sem rasto de gente ou bicho, e
 ao redor um silêncio que zumbia, e também um calor vegetal, um cheiro 
de caule fresco. 
 Ó que feliz ia o menino! Andou, andou, foram 
rareando as árvores, e agora havia uma charneca rasa, de mato ralo e 
seco, e no meio dela uma inclinada colina redonda como uma tigela 
voltada. 
 Deu-se o menino ao trabalho de subir a encosta, e 
quando chegou lá acima, que viu ele? Nem a sorte nem a morte, nem as 
tábuas do destino… Era só uma flor. 
 Mas tão caída, tão murcha, 
que o menino se achegou, de cansado. E como este menino era especial de 
história, achou que tinha de salvar a flor. Mas que é da água? Ali, no 
alto, nem pinga. Cá por baixo, só no rio, e esse que longe estava! 
 Não importa. 
 Desce o menino a montanha, atravessa o mundo todo, chega ao grande rio,
 com as mãos recolhe quanta de água lá cabia, volta o mundo atravessar, 
pelo monte se arrasta, três gotas que lá chegaram, bebeu-as a flor com 
sede. Vinte vezes cá e lá. 
 Mas a flor aprumada já dava cheiro no ar, e como se fosse uma grande árvore deitava sombra no chão. 
 O menino adormeceu debaixo da flor. Passaram as horas, e os pais, como é
 costume nestes casos, começaram a afligir-se muito. Saiu toda a família
 e mais vizinhos à busca do menino perdido. E não o acharam. 
 
Correram tudo, já em lágrimas tantas, e era quase sol-pôr quando 
levantaram os olhos e viram ao longe uma flor enorme que ninguém se 
lembrava que estivesse ali. 
 Foram todos de carreira, subiram a 
colina e deram com o menino adormecido. Sobre ele, resguardando-o do 
fresco da tarde, estava uma grande pétala perfumada… 
 Este menino foi levado para casa, rodeado de todo o respeito, como obra de milagre. 
 Quando depois passava pelas ruas, as pessoas diziam que ele saíra da 
aldeia para ir fazer uma coisa que era muito maior do que o seu tamanho e
 do que todos os tamanhos.
