fevereiro 08, 2015

Excerto da obra FADA ORIANA que os alunos do 5º ano são obrigados a ler...


SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in FADA ORIANA (1958, Porto Editora, 2014)


A FLORESTA ABANDONADA

Estava tudo muito quieto e muito calado. A floresta parecia despovoada. Não se ouviam pássaros. Não havia nenhuma flor. Mas havia muitos cogumelos venenosos. E Oriana chamou:
- Pássaros, esquilos, veados, corças, coelhos, lebres!
Então ouviu um barulho no chão e, pequenina e preta, a víbora apareceu.
- Bom dia - disse a víbora.
- Bom dia, víbora - respondeu Oriana. - Onde estão os outros animais?
- Foram-se todos embora para os montes. Como a fada Oriana os abandonou e não tinham ninguém para os proteger dos tiros dos caçadores, eles tiveram de fugir para muito longe. Só ficaram os ratos, as víboras, as formigas, os mosquitos e as aranhas.
- Ah! - disse Oriana, corando de vergonha.
E perguntou:
- Sabes quem eu sou?
- Não - disse a víbora. - Vejo só que és uma menina muito bonita.
- Não sou uma menina bonita. Sou uma fada, sou a fada Oriana.
- Ah! Mas que esquisito! Onde é que estão as tuas asas? Nunca ninguém viu uma fada sem asas.
- Agora não tenho asas, mas daqui a dias vou voltar a tê-las. É uma história que não te posso contar.
- Eu, como ando sempre metido debaixo da terra, nunca te tinha visto, mas já tinha ouvido falar de ti.
- Sim? O que te disseram de mim?
- Contaram-me que dantes eras muito boa e tomavas conta da floresta, mas um dia abandonaste os teus amigos todos porque te apaixonaste por um peixe.
- Isso é mentira - disse Oriana, furiosa. - Nunca me apaixonei pelo peixe. Que história tão estúpida!
- Pois fica sabendo que é isso o que se diz. Até contam que tu passavas horas e horas debruçada sobre o rio a fazer penteados e a enfeitar-te com flores só para o peixe te dizer que estavas muito bonita.
- Mas eu nunca me apaixonei pelo peixe. Eu passava horas ao pé do rio porque gostava de me ver no rio.
- Talvez seja como dizes. Mas o peixe contou aos outros peixes, que contaram aos pássaros, que contaram aos coelhos, que contaram às víboras, que tu estavas louca de amor por ele e que só pensavas em te enfeitares para que ele te achasse bonita.
Oriana estava indignada. Sentia-se ridícula. Olhou para a víbora e disse:
- Isso é uma mentira muito estúpida. Uma fada não se pode apaixonar por um peixe. Essa história é má-língua. É a célebre má-língua das víboras. E, virando as costas, Oriana seguiu o seu caminho, mas enquanto se afastava ouviu o riso mau e sibilante da víbora:
- sssssssssss.
Ao fim de muito andar chegou à casa do moleiro. A porta estava aberta. Lá dentro estava tudo na maior desordem: as gavetas e os armários abertos e vazios, o chão e os móveis cobertos de poeira, e havia por todos os lados coisas partidas. A casa parecia ter sido abandonada há muito tempo. O lume estava apagado, os quartos cheios de teias de aranha. Oriana pegou numa vassoura e num trapo e começou a varrer e a limpar a casa. Então ouviu um ruído e uma voz que a chamou:
- Oriana!
Era um rato.
- Oriana, não vale a pena arrumares a casa. Já não vive aqui
ninguém senão eu. O moleiro, a moleira e os seus filhos foram viver para a cidade.
- Ah! Mas porquê? - perguntou Oriana.
- Um dia desapareceu um dos filhos mais novos, aquele que tem caracóis pretos e que tem quatro anos. O moleiro e a moleira procuraram-no durante nove dias pela floresta toda sem o encontrar, e ao fim de nove dias o moleiro disse:
- O nosso filho perdeu-se na floresta, ou foi comido pelos lobos, ou caiu ao rio, que o levou afogado para longe. Não vale a pena procurá-lo mais. Vamo-nos embora da floresta antes que torne a acontecer outro desastre.