fevereiro 20, 2015

Poema de MANUEL DA FONSECA


MANUEL DA FONSECA, in POEMAS DISPERSOS ( 1958)

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar
.
Lava-a de crimes espantos
de roubos, fomes, terrores,
lava a cidade de quantos
do ódio fingem amores
.
Leva nas águas as grades
de aço e silêncio forjadas
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas
.
Lava bancos e empresas
dos comedores de dinheiro
que dos salários de tristeza
arrecadam lucro inteiro
.
Lava palácios vivendas
casebres bairros da lata
leva negócios e rendas
que a uns farta e a outros mata
.
Lava avenidas de vícios
vielas de amores venais
lava albergues e hospícios
cadeias e hospitais
.
Afoga empenhos favores
vãs glórias, ocas palmas
leva o poder dos senhores
que compram corpos e almas
.
Das camas de amor comprado
desata abraços de lodo
rostos corpos destroçados
lava-os com sal e iodo