abril 02, 2014

Dia Internacional do Livro Infantil...

São histórias para crianças que nos fazem adultos melhores

Isabel Minhós Martins, André Letria, Álvaro Magalhães, Catarina Sobral e Miguel Sousa Tavares escolhem os livros para crianças que ficaram para a idade toda. Esta quarta-feira é Dia Internacional do Livro Infantil.
O urso Puff acompanha Álvaro Magalhães desde os seus 20 anos [fotografia de Rui Duarte Silva]
O urso Puff acompanha Álvaro Magalhães desde os seus 20 anos 
A serenidade feliz
O livro da vida de Álvaro Magalhães tem um urso como herói e acompanha-o desde os seus pouco mais de 20 anos. É um livro infantil, dir-se-á, mas o escritor sabe que é ainda mais precioso para os adultos. Pelo menos para aqueles que, como ele, são capazes de descobrir em "Puff e os seus amigos", de Alan Alexander Milne, coisas novas a cada leitura.
"É um verdadeiro clássico. Nunca acaba de dizer o que tem para dizer", garante Álvaro Magalhães. A obra é de 1926, mas a primeira tradução terá chegado a Portugal já nos anos 70, diz o escritor. Hoje, a personagem ser é mais conhecida como Winnie the Pooh.
O urso desmiolado que vive as mais fantásticas aventuras "sem perder a serenidade feliz" é, no fundo, "um herói taoísta", diz o também autor de títulos infanto-juvenis, assumindo que este livro influenciou "não só a minha escrita, mas a minha visão do mundo".
Apaixonado pelos livros desde muito novo, embora "os meus pais não lessem", Álvaro Magalhães não hesita em dizer que "é o acaso" que faz um grande leitor: "Não chega dar livros a uma criança. É preciso saber transmitir-lhe essa paixão pela leitura, haver alguém, um dia, que a consiga passar. No meu caso foi um professor".
"Um livro é um objeto artístico", diz Catarina Sobral 

Um livro não tem de ser útil

Acabadinha de chegar da Feira do Livro Infantil de Bolonha, de onde trouxe um prémio internacional de ilustração (com o livro "O meu avô"), Catarina Sobral pergunta a medo: "Só posso falar num livro"?
Como a escolha é difícil, e há maldades que não se podem fazer a quem elege o livro como "objeto preferido", ficam dois títulos na fotografia. "Romance", de Blexbolex, é um deles, e "O dia em que os lápis desistiram", de Drew Daywalt (com ilustrações de Oliver Jeffers), é o outro.
Ambos têm o que é preciso para ser um bom livro infantil, segundo o critério de Catarina. Por "permitirem que as crianças os explorem e encontrem diferentes formas de os ver, sem preocupação moral", mas também por terem uma relação texto/imagem que funciona sem "redundâncias".
Há uma terceira razão: "Um livro tem de ser bom de pegar, com bom papel e peso adequado". É, no fundo, "um objeto artístico", remata. "Não tem necessariamente de ser útil ou de ter uma função." Mesmo que seja para crianças.
Quanto às suas sugestões, "Romance" parte de um jogo oral, "uma espécie de quem conta um conto...", onde se vão acrescentando palavras que vão alterando a história. "Começa com uma estrutura simples - uma imagem mais uma palavra - para evoluir para uma história muito rica", remata a autora/ilustradora.
Por sua vez, "O dia em que os lápis desistiram" fala sobre a criatividade e deixa a mensagem de que "não é preciso pintar sempre com as cores tradicionais ou dentro das linhas". Usa, além disso, "imenso humor", razões que fazem dele o favorito de Catarina deste ano.

André Letria escolheu "A árvore". A paixão pela ilustração vem de longe 

Um livro sem texto

Para sugerir "A árvore", da italiana Iela Mari, André Letria não recorre propriamente às memórias de infância. "Não me lembro de livros de histórias que me contassem à noite, antes de dormir", conta o ilustrador.
Sendo filho de quem é (do escritor José Jorge Letria), não admira que o habitual fosse o pai inventar as histórias que lhe narrava. Em matéria de livros, quando os passou a escolher, fugiram-lhe mais os olhos para a linguagem visual.
As imagens e os livros que lhes dão destaque "interessam-me pela capacidade de imaginação que transmitem". Não são histórias fechadas, justifica, mas pontos de partida, que "aguçam a curiosidade e estimulam a descoberta".
Por isso a sua escolha. Um livro sem texto, da década de 80 do século passado, editado pela Sá da Costa, quando os álbuns ilustrados eram ainda uma quase novidade em Portugal, um formato pouco usual, que teria de esperar vários anos para vingar.
O panorama é hoje diferente, pela mão de pequenas editoras que estão a apostar neste tipo de livros, "muito desejados pelos educadores e a que os pais de gerações mais novas estão mais atentos", considera André Letria.
É o seu próprio caso, como editor da Pato Lógico (um dos seus livros, "Mar", veio também da Feira de Bolonha com uma menção honrosa). "Os álbuns ilustrados estão associados ao florescimento dos ilustradores portugueses, jovens na casa dos 30 anos e até da minha geração, que tenho 40." Há uma dose de risco neste caminho, mas André confessa não se preocupar muito com o perfil do leitor para que cria. "Não penso muito se faço para novos ou para velhos. Interessa-me apenas fazer os livros da forma que gosto, para que as pessoas depois gostem deles".
O que não significa não reconhecer no livro infantil algumas funções em particular, como sejam a de "fazer uma ligação entre gerações", pela lado da partilha da leitura, e o facto de serem "instrumentos de trabalho nas escolas".

O humor é uma das coisas que faz um bom livro, considera Isabel Minhós Martins 

Desconstruir o mundo

Quando era pequena, Isabel Minhós Martins gostava de ler coisas que a fizessem rir. Quer dizer, gostava de ler quase tudo e lia muito, sempre à procura de algo novo. Mas à noite, antes de dormir, preferia histórias que a adormecessem com um sorriso nos lábios.
Se calhar foi pena não ter descoberto nessa altura o "É um mundo mágico", de Bill Watterson, mas é um facto que o personagem Calvin só lhe veio parar às mãos nos anos de 1990, com as tiras do jornal "Público".
"Apesar de não parecer, o Calvin é um rapaz muito filosófico. Tem uma forma de desconstruir as coisas que existem à sua volta e isso é algo útil para os miúdos, para que aprendam a ter um olhar crítico", diz a autora e também uma das responsáveis pelo aparecimento da Planeta Tangerina, uma editora que é referência no segmento infanto-juvenil.
Faz questão de deixar mais duas escolhas: "A árvore generosa", de Shel Silverstein, e "Contos da Mata dos Medos", de Álvaro Magalhães, dois livros "especiais" a que vai voltando, apesar de antigos.
O primeiro é um clássico, de 1964, que conta a história "intemporal e transversal" da relação de um menino com uma árvore. Ele cresce sempre a querer dela mais e mais e ela está lá, sempre disponível "e feliz" por ajudá-lo. "Faz-nos pensar na forma como queremos só para nós aquilo de que gostamos."
Já "Contos da Mata dos Medos" tem uma inspiração ecológica e uma linguagem de que Isabel gosta muito. "Pela forma como o autor escreve e brinca com as palavras", mas também pelo facto de o livro "fazer muitas perguntas, colocando muita coisa em causa". Não é tudo: "Tem humor e uma ilustrações maravilhosas muito delicadas, de Cristina Valadas".

Antes da barra pesada

Não foi possível fotografá-lo, mas é provável que, a ter acontecido, Miguel Sousa Tavares tivesse ficado com o recorde de livros ao colo. Porque são muitos os que recorda e faz questão de destacar. "Entre as minhas melhores recordações de infância e juventude estão as leituras à noite, antes de adormecer", conta o escritor, autor de "O Segredo do rio" e "Ismael e Chopin".
Miguel teve "a sorte de ter um pai que só autorizou a entrada da televisão em casa quando eu tinha uns 15 ou 16 anos", pelo que durante muito tempo ganharam os livros a qualquer outra forma de ocupar o tempo.
Os primeiros que se lembra de ter lido, "além dos das minha mãe [Sophia de Mello Breyner], como é óbvio", foram "o 'Tom Sawyer', 'As memórias de um burro', a série do 'Grichka, o urso', cujas edições tinham um cheiro fantástico, o 'D. Quixote' e o 'Moby Dick', em versão reduzida". Assim mesmo, com o artigo definido atrás, porque o Tom e o D. Quixote foram amigos que fez para a vida.
"Os cinco"  e os livros da Helaine Sanceau sobre os descobridores portugueses são também dessa época. Mais tarde chegou "o Tintim, que ainda  só havia  em francês e que a minha mãe traduzia enquanto os lia, por vezes com ataques de riso, que nos faziam desesperar pela tradução daquilo que os originara". E na entrada da adolescência "começou a 'barra pesada' do assalto à estante dos meus pais", o início de "toda outra história".
 
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