Homem 
de letras português, um dos vultos mais destacados da Geração de 70, José Duarte 
Ramalho Ortigão nasceu a 24 de Outubro de 1836, no Porto , e morreu a 27 de 
Setembro de 1915, em Lisboa . Oriundo de uma família abastada da burguesia 
portuense e filho de um combatente pela causa liberal, Ramalho conviveu durante 
a infância com o ambiente rural da casa da avó materna, tendo sido criado, como 
confessa, "como um pequeno saloio". Na adolescência, enquanto convalescia de uma 
febre, tomou contacto com as Viagens na minha Terra , obra que o 
impressionou tanto que foi a partir da sua leitura que compreendeu que "tinha de 
ser fatalmente um escritor". Frequentou o curso de Direito na Universidade de 
Coimbra e, aos dezanove anos, começou a leccionar francês no Colégio da Lapa, 
dirigido pelo seu pai, onde teve como aluno Eça de Queirós, futuro amigo e 
companheiro de lides literárias. Durante a década de 60, colaborou em vários 
periódicos, como a Gazeta Literária do Porto , a Revista 
Contemporânea e o Jornal do Porto , de que foi redactor. Foi 
precisamente neste último que, em 1866, publicou o folheto Literatura de 
Hoje , com que intervém na Questão Coimbrã . Ramalho, que, quatro 
anos antes, a propósito da polémica suscitada pela Conversação 
Preambular de Castilho inserta no poema D. Jaime , de Tomás 
Ribeiro, se manifestara contra o chamado "Grupo do Elogio Mútuo", não deixa aqui 
de ser crítico para com o autor das Cartas de Eco a Narciso , mas acusa 
Antero e Teófilo de desrespeitarem o velho escritor. Como consequência, Antero 
desafiou e venceu Ramalho em duelo, datando curiosamente desse episódio o início 
da amizade entre os dois escritores e a aproximação gradual de Ramalho a esse 
grupo de novos intelectuais, que se traduziria na frequência do Cenáculo e na 
adesão às correntes ideológicas que marcaram essa geração, como o positivismo de 
Comte e o socialismo utópico de Proudhon. Depois de uma viagem a Paris, por 
ocasião da Exposição Universal de 1867, Ramalho publicou, no ano seguinte, as 
suas primeiras notas de viagem, Em Paris . Ainda no mesmo ano, mudou-se 
para Lisboa, onde assumiu o lugar de oficial de secretaria da Academia das 
Ciências e reencontrou o seu amigo Eça, já formado em Direito pela Universidade 
de Coimbra. Em 1870, publicaram ambos O Mistério da Estrada de Sintra . 
Em 1871, não participando directamente nas Conferências do Casino 
Lisbonense , iniciou com Eça um novo projecto, que pretendia retomar a 
intenção crítica e de reforma social que norteou as Conferências: As 
Farpas . O início da redacção de As Farpas é, aliás, tido pelos 
críticos (entre os quais o próprio Eça, numa carta publicada na revista 
portuense A Renascença ) como um marco de transição na escrita de 
Ramalho, que teria passado de "folhetinista diletante" a "panfletário ilustre". 
Após a partida de Eça para Cuba, como cônsul, em 1872, Ramalho tomou nas mãos a 
redacção desses folhetins satíricos, cuja publicação até 1888 entremeou com a 
edição de livros de viagens: Pela Terra Alheia (1878-1880), A 
Holanda (1883), John Bull (1887) e, inspirados pelas viagens em 
Portugal, Banhos de Caldas e Águas Minerais (1875) e As Praias de 
Portugal (1876). Em todas estas obras, embora as imagens da França e da 
Inglaterra e os progressos das suas civilizações sejam contrapostos à decadência 
portuguesa, manifesta-se um apego à tradição nacional e a crença na 
possibilidade de regeneração. A partir de 1888, Ramalho começou a fazer parte 
das reuniões do grupo dos Vencidos da Vida. Em 1895, tornou-se bibliotecário do 
Palácio da Ajuda. Nos textos escritos perto do fim da vida e já depois de 
instaurada a República, que serão postumamente reunidos no volume Últimas 
Farpas , Ramalho manifestou a sua descrença no novo regime político. 
Dotado 
de um espírito cosmopolita, dândi, mundano, e simultaneamente, arreigado às 
tradições nacionais, Ramalho procurou sinceramente educar e civilizar a 
sociedade do seu tempo. A variedade dos seus escritos, o diletantismo do seu 
discurso, a leveza e propriedade do seu estilo, oscilando entre as notações 
estéticas, as digressões líricas, os apontamentos humorísticos espelham a 
fidelidade ao preceito de escrita e de vida enunciado na sua "Autobiografia" 
(in Costumes e Perfis ): "Maçar o menos possível que seja o meu 
semelhante, procurando tornar para os que me cercam a existência mais doce, o 
mundo mais alegre, a sociedade mais justa, tem sido a regra de toda a minha vida 
particular. O acaso fez de mim um crítico. Foi um desvio de inclinação a que me 
conservei fiel. O meu fundo é de poeta lírico." 
Ramalho Ortigão
Excerto 
de "As Farpas"
"Aproxima-te um pouco de nós, e vê. O país perdeu a 
inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as 
consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A práctica da vida tem por 
única direcção a conveniência. Não há pprincipio que não seja desmentido. Não há 
instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma 
solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. 
Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na 
imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são 
abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias em cada dia. Vivemos 
todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima abaixo! Toda a vida 
espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade 
arrasta-se envelhecida das mesas das secretárias para as mesas dos cafés. A 
ruína económica cresce, cresce, cresce. As quebras sucedem-se. O pequeno 
comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O 
salário diminui. A renda também diminui. O Estado é considerado na sua acção 
fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. Neste salve-se quem puder a 
burguesia proprietária de casas explora o aluguer. A agiotagem explora o lucro. 
A ignorância pesa sobre o povo como uma fatalidade. O número das escolas só por 
si é dramático. O professor é um empregado de eleições. A população dos campos, 
vivendo em casebres ignóbeis, sustentando-se de sardinhas e de vinho, 
trabalhando para o imposto por meio de uma agricultura decadente, puxa uma vida 
miserável, sacudida pela penhora; a população ignorante, entorpecida, de toda a 
vitalidade humana conserva unicamente um egoísmo feroz e uma devoção automática. 
No entanto a intriga política alastra-se. O país vive numa sonolência 
enfastiada. Apenas a devoção insciente perturba o silêncio da opinião com 
padre-nossos maquinais. Não é uma existência, é uma expiação. A certeza deste 
rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o país está 
perdido! Ninguém se ilude. Diz-se nos conselhos de ministros e nas estalagens. E 
que se faz? Atesta-se, conversando e jogando o voltarete que de norte a sul, no 
Estado, na economia, no moral, o país está desorganizado-e pede-se 
conhaque!"
in 
Farpas, por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, com publicação em Junho de 
1871.