É TERRÍVEL O VENTO
É terrível o vento no planalto
quando não é do vento que se trata
Com plátanos à volta és um palácio
... Com sombra de pinheiros uma casa
Mas se penso habitar-te nunca passo
de navio solúvel dentro de água
É terrível o vento no deserto
se não vemos deserto que se veja
Despertíssima assistes ao mistério
da água que na água fica presa
O brilho da platina é mais concreto
quando a prata lhe pede que a adormeça
É terrível o vento nas campinas
trazidas pelo mar aos seus domínios
E atingimos as plagas mais antigas
o palco dos desastres mais ambíguos
E gritas E não gritas E suplicas
por dentro da represa dos suplícios
É terrível o vento na memória
quando nos despegamos um do outro
e quando na planície está a morte
seguindo atentamente o nosso jogo
Ah Como sopra o vento que não sopra
que deixou de repente de ter boca
É terrível o vento que no escuro
nos marcou de antemão com algum número
Mais terrível ainda no soluço
com que nós aguardamos o seu gume
É terrível Terrível Sobretudo
quando não é ao vento que se alude"
David Mourão-Ferreira - Matura Idade