
Um raio de 
sol entrava pela varanda aberta da sala e pousava o seu brilho intenso 
sobre a estante que, de alto a baixo, forra de livros, uma das paredes do 
corredor quase sempre sombrio . 
A maravilha daquele 
fulgor inesperado produzia um efeito delicioso, quase palpável que eu 
experimentava como uma dádiva ou uma revelação. Os livros, tocados assim pela 
luz, apeteciam mais do que nunca e nunca o desejo de se darem a beber me havia 
parecido tão vivo.
Lamentei ter de me 
apressar para sair, mas a magia do instante perseguiu-me ao longo do dia. Ao 
chegar a casa, infantilmente, fui espreitar o corredor. Estava envolvido na sua 
meia-luz habitual. O visitante dourado tinha desaparecido, evidentemente, 
cumprindo a ordem irrefutável do relógio.
Passei os dedos ao 
correr dos livros em gesto de acariciar e pensei que é possível, sim! É possível 
que os poemas andem por aí dispersos, esperando que alguém os colha como frutos 
ou flores.
É que hoje eu vi um 
bem de perto. Estava pousado sobre os meus livros e eu não tive tempo de o 
apanhar.
Lídia 
Borges