julho 03, 2015

Expressões que usamos frequentemente...

Se sempre teve curiosidade em conhecer porque é que “A Maria que vai com as outras”, este livro é “Ouro sobre azul” para si. Andreia Vale sabia que, para que a sua existência tivesse significado, teria de plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Começou pelo meio, seguiu para o último objetivo e talvez passe para a botânica em breve. Mas entretanto publicou o “Puxar a Brasa à Nossa Sardinha”.
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“Puxar a Brasa à Nossa Sardinha” foi escrito por Andreia Vale e publicado pela editora Manuscrito. A ilustração da capa é da autoria de Sofia Ramos.
Publicado pela editora Manuscrito, a jornalista  explica a origem de 271 expressões idiomáticas que a História e os estrangeiros puseram na boca dos portugueses. O livro pode ser adquirido a partir de 3 de julho por 13,99€: “É trigo limpo farinha Amparo”.
Seleccionámos oito das mais de 200 expressões idiomáticas utilizadas pelos portugueses à grande e à francesa selecionados pela autora. Ora leia que “Nunca é tarde para aprender”:.
Nem disse água vai nem água vem.
É uma das expressões que entrou na boca dos portugueses depois do terramoto de 1755, explica Andreia Vale. Quando Sebastião José de Carvalho e Melo – o Marquês de Pombal – ficou responsável pela reconstrução da capital após o abalo, decidiu que ia implementar um sistema de esgotos.
Na altura foi uma revolução… e uma esperança na higiene da cidade. É que até aquele momento, a água suja de casa (sim, essa que inclui até mesmo as da casa de banho) eram atiradas pela janela para a rua. Diziam as empregadas “Água vai!” e toda a gente sabia que o melhor era sair das proximidades.
A expressão “Nem disse água vai, nem água vem” surgia sempre que alguém fazia algum desses despejos sem avisar. E ficou para exemplificar exatamente a ideia de que alguém não fez o devido alerta ou aviso do que devia.
Há mar e mar, há ir e voltar.
Há frases que todos usamos que nasceram da publicidade. Alguns dos anúncios têm que se lhe diga, pois foram criados por grandes poetas. Basta lembrar o “Primeiro estranha-se, depois entranha-se” que Fernando Pessoa criou para a Coca-Cola quando estava ao serviço da agência Hora nos finais dos anos 20.
Já o “Puxar a Brasa à Nossa Sardinha”, segundo Andreia Vale, foi criada por Alexandre O’Neill, um dos autores que mais expressões criou para o mundo publicitário, nos anos 60. O Instituto de Socorros a Náufragos estava preocupado com os afogamentos nas praias e decidiu lançar uma campanha de segurança. O poeta português ajudou e lançou esta frase, que agora é usada como alerta para diversas situações.
Mas a primeira ideia do poeta era outra, marcada pelo seu humor negro: “Passe um verão desafogado”, propôs ele, mas não foi aceite. Nem desta vez, nem com a proposta que mandou à marca de colchões Lusopuma: “Com colchões Lusopuma você dá duas que parecem uma”. E como não há duas sem três, a ironia de Alexandre O’Neill, que quase pôs em causa o seu trabalho no Jornal de Letras, ficou bem patente no slogan para o Metropolitano de Lisboa: “Vá de metro, Satanás”. Um  criativo, como se vê.
Deixámos isso em banho-maria.
A expressão que usamos quando deixamos em suspenso ou adiamos um determinado assunto, cuja resolução ainda pode demorar a concretizar-se. Mas a verdade é que “deixar algo em banho-maria” remonta ao tempo da panelas de cobre e das velhas colheres de pau.
Durante o banho-maria, cozinham-se os alimentos dentro de um recipiente colocado num outro cheio de água quente. O método saiu dos laboratórios químicos que produziam produtos para as farmacêuticas ou criavam cosméticos, processos extremamente lentos.
Mas quem era Maria? Diz-se que era uma judia alquimista de Alexandria. Viveu trezentos anos antes do nascimento de Jesus de Nazaré e é a ela que se atribui a descoberta do “aquecimento lento e gradual através da água como alternativa à manipulação das substâncias diretamente no fogo”, escreve Andreia Vale no livro sobre expressões do dia-a-dia.
Mas Marias há muitas que utilizaram – e utilizam ainda hoje – esta técnica.
Quebrar o gelo.
Fazer algo que quebre o gelo é sempre boa ideia numa “situação de impasse”, garante Andreia Vale, porque serve para “criar empatia” ou terminar com um silêncio tenso.
A expressão está relacionada com os barcos que são utilizados para abrir caminho por entre o gelo polar, uma operação que custa 24 mil euros. O maior barco para esse fim é o NS 50 Let Pobedy, um navio russo movido a energia nuclear.
É preciso um grande jogo de cintura.
É preciso tê-lo em situações delicadas ou mais árduas. E onde é que pode haver confrontos mais complicados do que no pugilismo? Andreia Vale explica que “jogo de cintura” é o que todos os atletas desta modalidade precisam de ter para sobreviver no ringue.
A parte de baixo do corpo é importante para o movimento, enquanto a parte de cima é essencial para escapar às investidas do adversário. A cintura tem de ter reflexos rápidos para evitar acidentes.
Voltando à vaca fria…
A raíz desta expressão parece estar no teatro francês. “A Farsa do Advogado Pathelin” é uma peça da Idade Média de autor desconhecido. É uma crítica satírica dos comerciantes e dos homens da lei, que faziam parte da alta sociedade em França naquela época.
Pathelin é um advogado mentiroso que burla um comerciante chamado Guillaume Joceaulme. Entre uma fala e outra, descobre-se que um pastor roubou vacas a Guillaume. Mas quando vê que afinal é Pathelin que tem os animais, o comerciante acaba por misturar os dois assuntos – isto é, o roubo e a burla. Quando se quer concentrar no desaparecimentos dos animais, diz: “Voltemos às nossas vascas”.
Outra teoria leva-nos de novo para a cozinha. No século XV, havia o hábito de comer bifes de vaca grelhados ao jantar. À ceia comia-se de novo bife, mas dessa vez devia estar frio.
Isto não é a casa da Joana.
Estar à vontade não é estar “à vontadinha”, já diz o bom português. E há pessoas que não entendem onde está o limite quando se relacionam com alguém.
Joana foi uma mulher do século XIV, condessa da Provença e rainha de Nápoles. Em 1347, Joana tinha 21 anos e decidiu impor regras aos bordéis de Avignon, para onde fugiu quando se tornou suspeita da morte do marido ou – porque a história tem duas versões, alerta o livro – foi expulsa da Igreja devido à vida boémia que levava.
A regra da Joana: todos os estabelecimentos de prostituição tinham de ter uma porta (fechada) para bater antes de entrar.
Sangue, suor e lágrimas.
Como muitas outras, “sangue, suor e lágrimas” vem de uma declaração de guerra.
A 13 de maio de 1940, Winston Churchill fez a primeira declaração enquanto primeiro-ministro. Estava-se a viver a II Guerra Mundial e o político mostrou uma vez mais a capacidade para fazer discursos marcantes. Em plena Câmara dos Comuns, afirmou: “Não tenho nada a oferecer além de sangue, suor ou lágrimas”. A frase ficou para a História.
No entanto, a expressão seria do general italiano Giuseppe Garibaldi, que a proferira em 1849 e que voltou a ser usada por Georges Clemenceau, primeiro-ministro francês, em 1917. Ambos eram políticos de referência para Churchill.