Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães criaram há três décadas a mais bem sucedida colecção de literatura infanto-juvenil portuguesa. Conheceram-se à porta de uma escola, quando eram estagiárias, e criaram os livros de ‘Uma Aventura’ a partir de textos de apoio às aulas. Para as autoras, o segredo está na alegria com que escrevem.
Em 30 anos publicaram 55 títulos e venderam oito milhões de livros em Portugal. A colecção ‘Uma Aventura’, de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, tem feito parte da educação literária de grande parte dos que nasceram em Portugal desde meados dos anos 1970. Protagonizada pelas gémeas Teresa e Luísa, pelo inteligente Pedro, pelo corajoso Chico e pelo vivaço João, a colecção segue as aventuras do grupo de amigos por Portugal e, até, por países estrangeiros, sempre com um mistério por resolver. Agora as autoras acabam de lançar Uma Aventura no Castelo dos Três Tesouros que, ilustrado por Arlindo Fagundes, leva os leitores numa viagem pelos castelos de S. Jorge, de Portel e de Vila Viçosa, em busca dos tesouros escondidos por D. Jaime, 4.º Duque de Bragança, há 500 anos. Mas não são os únicos em busca das relíquias. E vão ter de enfrentar perigosos adversários.
Ao 55.º título, os livros tiveram de se adaptar às novas linguagens e modos de vida. «Quando começámos, a nossa ideia era ter impacto na criação de leitores e, olhando retrospectivamente, percebemos que contribuímos de facto para isso, o que nos dá uma satisfação imensa. Sobretudo por, depois de 30 anos, conseguirmos ainda tocar cada geração que vai ler ‘Uma Aventura’. Ver que os miúdos continuam a gostar dos nossos livros é muito bonito», diz ao SOL Isabel Alçada, acrescentando logo Ana Maria Magalhães: «Mas exige pensar o que se faz. O ritmo da escrita tem que ser mais acelerado porque a nossa maneira de viver se acelerou. A meio da colecção, tiveram que entrar os telemóveis, o computador, os e-mails... O que nos obriga a estar sempre actualizadas». Hoje, num mundo cheio de alternativas, para pôr os miúdos a ler, assegura Isabel Alçada, é preciso fazê-lo de forma atraente. «Se não vão rejeitar. É preciso ter atenção a como eles vivem».
Uma aventura conjunta
Tudo começou há mais de 30 anos, nos à porta da Escola Fernando Pessoa, em Lisboa, onde Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães iam começar a estagiar. Não se conheciam. Mas partilhavam um sentimento de insegurança. «Eu vinha de uma escola pequenina em Salvaterra de Magos, onde adorava toda a gente e toda a gente me adorava. Era uma escola de aldeia, os professores eram respeitados, os pais vinham-nos visitar. Os alunos às vezes diziam-nos que, para eles, as férias começavam em Outubro, porque durante o Verão trabalhavam no campo com os pais. Havia um grande envolvimento. E, de repente, estava numa escola em Lisboa, com quase dois mil alunos. Tinha medo que achassem que tudo o que fizesse fosse uma parolice», lembra Ana Maria Magalhães.
Já Isabel Alçada nunca tinha dado aulas, apenas trabalhado no ministério da Educação. A única experiência de leccionar eram as explicações dadas ao longo do liceu e da universidade. «Estava habituada a dar aulas a uma pessoa, às vezes a duas. Não sabia o que fazer com uma turma. Como pôr todos a aprender? Estávamos à porta da escola e, como a Ana já tinha experiência, achei que talvez me pudesse dar uns conselhos. E começámos a preparar o nosso trabalho em conjunto».
O estágio durou um ano, a amizade uma vida. Continuaram a encontrar-se, a preparar as aulas em conjunto e a trocar ideias. E a escrever textos de apoio às aulas. Resultaram tão bem que outros professores começaram a pedir-lhes fotocópias para os usarem. Assim nasceu a ideia de escreverem Uma Aventura na Cidade, o primeiro livro da colecção. E as escritoras inspiraram-se em alunos de uma turma partilhada para criarem as personagens. Hoje, perderam o rasto aos rapazes, mas mantêm contacto com as gémeas, que cresceram, se casaram e tiveram filhos, mas ainda aparecem na Feira do Livro para cumprimentar as antigas professoras (que, aliás, convidaram para os seus casamentos). Levam os filhos, compram os livros. Há, como diz Ana Maria Magalhães, «um grande sentimento de ternura».
Mas nem tudo terá sido simples. A começar por conciliar as agendas das duas com a escrita. Ambas professoras primárias, pelo caminho, Isabel Alçada foi comissária do Plano Nacional de Leitura e ministra da Educação, e Ana Maria Magalhães dedicou-se a escrever a sua autobiografia, Tudo Tem o Seu Tempo (ed. Caminho, 2012). Mas a sua relação é antiga, a amizade notória e o respeito mútuo. Como num casamento, as vidas independentes não abalam a vida em comum.
«Nunca competimos. Uma equipa não pode competir entre si, se não daí a nada as pessoas estão zangadas e a equipa está condenada», diz Ana Maria Magalhães, que sempre ficou feliz com os sucessos de Isabel Alçada, que não deixa de admitir que ter sido ministra condicionou o processo de trabalho. «Mas continuámos. Como era uma actividade muito intensa, dava-me força poder evadir-me escrevendo com a Ana. A escrita absorve-nos a tal ponto que nos sentimos como se estivéssemos no ambiente que estamos a criar. Sempre que podia ia ter com a Ana para podermos trabalhar em conjunto».
E todo o esforço e trabalho compensam quando encontram os seus leitores. Muitas vezes são adultos que recordam as experiências de leitura ou professores que agora mostram aos seus alunos os livros que em tempos os encantaram. As autoras ficam emocionadas, especialmente quando lhes dizem que agora passam os livros aos filhos. «Há uma grande ternura. Digo sempre que são como meus netos», brinca Ana Maria Magalhães, salientando a enorme alegria que sente neste contacto.
E é essa alegria o que as leva, passados 30 anos, a ainda escreverem novos livros, sejam da colecção ‘Uma Aventura’ ou das outras que entretanto criaram, como ‘Viagens no Tempo’ ou ‘História de Portugal’. «Não é por estar a correr bem que continuamos. Enquanto nos der alegria sentarmo-nos para escrever vale a pena continuar. No dia em que der sofrimento acabou. Há coisas que tenho que fazer, como lavar os vidros das janelas e cozinhar, que me dão sofrimento. Escrever tem que ser um prazer», salienta Ana Maria Magalhães. «Não somos muito sofredoras. Se o sofrimento aparece tentamos rechaçá-lo», afirma Isabel Alçada com uma gargalhada. As duas atribuem esta forma de ser às suas famílias, que sempre lhes passaram energias positivas. E é essa alegria de viver que querem transmitir nos livros. Sentem-no como uma obrigação. A leitura deve dar prazer, especialmente aos mais novos, que ainda se estão a formar como leitores. «A Isabel, enquanto comissária do Plano Nacional de Leitura, foi a muitos países. Em Inglaterra, em turmas difíceis, os livros dados nas aulas chegam a ser biografias de futebolistas. É por aí que se começa, se for preciso», salienta Ana Maria Magalhães, acrescentando que não há um livro que agrade universalmente a todos. «Em Inglaterra só há um autor considerado indispensável: Shakespeare. E são os professores a escolher qual a peça mais adequada para a turma. Essa perspectiva de abertura levou a que no Norte da Europa se avançasse mais que no Sul», explica Isabel Alçada. «Mas estamos no bom caminho. Claro que quando se estuda literatura temos que ler autores centrais na nossa cultura. Antes disso não. É preciso criar o essencial: o gosto por ler. Há que consolidar esse gosto para que depois se queira ler autonomamente». As autoras de ‘Uma Aventura’ têm conseguido contribuir, inegavelmente, para isso.
Uma aventura conjunta
Tudo começou há mais de 30 anos, nos à porta da Escola Fernando Pessoa, em Lisboa, onde Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães iam começar a estagiar. Não se conheciam. Mas partilhavam um sentimento de insegurança. «Eu vinha de uma escola pequenina em Salvaterra de Magos, onde adorava toda a gente e toda a gente me adorava. Era uma escola de aldeia, os professores eram respeitados, os pais vinham-nos visitar. Os alunos às vezes diziam-nos que, para eles, as férias começavam em Outubro, porque durante o Verão trabalhavam no campo com os pais. Havia um grande envolvimento. E, de repente, estava numa escola em Lisboa, com quase dois mil alunos. Tinha medo que achassem que tudo o que fizesse fosse uma parolice», lembra Ana Maria Magalhães.
Já Isabel Alçada nunca tinha dado aulas, apenas trabalhado no ministério da Educação. A única experiência de leccionar eram as explicações dadas ao longo do liceu e da universidade. «Estava habituada a dar aulas a uma pessoa, às vezes a duas. Não sabia o que fazer com uma turma. Como pôr todos a aprender? Estávamos à porta da escola e, como a Ana já tinha experiência, achei que talvez me pudesse dar uns conselhos. E começámos a preparar o nosso trabalho em conjunto».
O estágio durou um ano, a amizade uma vida. Continuaram a encontrar-se, a preparar as aulas em conjunto e a trocar ideias. E a escrever textos de apoio às aulas. Resultaram tão bem que outros professores começaram a pedir-lhes fotocópias para os usarem. Assim nasceu a ideia de escreverem Uma Aventura na Cidade, o primeiro livro da colecção. E as escritoras inspiraram-se em alunos de uma turma partilhada para criarem as personagens. Hoje, perderam o rasto aos rapazes, mas mantêm contacto com as gémeas, que cresceram, se casaram e tiveram filhos, mas ainda aparecem na Feira do Livro para cumprimentar as antigas professoras (que, aliás, convidaram para os seus casamentos). Levam os filhos, compram os livros. Há, como diz Ana Maria Magalhães, «um grande sentimento de ternura».
Mas nem tudo terá sido simples. A começar por conciliar as agendas das duas com a escrita. Ambas professoras primárias, pelo caminho, Isabel Alçada foi comissária do Plano Nacional de Leitura e ministra da Educação, e Ana Maria Magalhães dedicou-se a escrever a sua autobiografia, Tudo Tem o Seu Tempo (ed. Caminho, 2012). Mas a sua relação é antiga, a amizade notória e o respeito mútuo. Como num casamento, as vidas independentes não abalam a vida em comum.
«Nunca competimos. Uma equipa não pode competir entre si, se não daí a nada as pessoas estão zangadas e a equipa está condenada», diz Ana Maria Magalhães, que sempre ficou feliz com os sucessos de Isabel Alçada, que não deixa de admitir que ter sido ministra condicionou o processo de trabalho. «Mas continuámos. Como era uma actividade muito intensa, dava-me força poder evadir-me escrevendo com a Ana. A escrita absorve-nos a tal ponto que nos sentimos como se estivéssemos no ambiente que estamos a criar. Sempre que podia ia ter com a Ana para podermos trabalhar em conjunto».
E todo o esforço e trabalho compensam quando encontram os seus leitores. Muitas vezes são adultos que recordam as experiências de leitura ou professores que agora mostram aos seus alunos os livros que em tempos os encantaram. As autoras ficam emocionadas, especialmente quando lhes dizem que agora passam os livros aos filhos. «Há uma grande ternura. Digo sempre que são como meus netos», brinca Ana Maria Magalhães, salientando a enorme alegria que sente neste contacto.
E é essa alegria o que as leva, passados 30 anos, a ainda escreverem novos livros, sejam da colecção ‘Uma Aventura’ ou das outras que entretanto criaram, como ‘Viagens no Tempo’ ou ‘História de Portugal’. «Não é por estar a correr bem que continuamos. Enquanto nos der alegria sentarmo-nos para escrever vale a pena continuar. No dia em que der sofrimento acabou. Há coisas que tenho que fazer, como lavar os vidros das janelas e cozinhar, que me dão sofrimento. Escrever tem que ser um prazer», salienta Ana Maria Magalhães. «Não somos muito sofredoras. Se o sofrimento aparece tentamos rechaçá-lo», afirma Isabel Alçada com uma gargalhada. As duas atribuem esta forma de ser às suas famílias, que sempre lhes passaram energias positivas. E é essa alegria de viver que querem transmitir nos livros. Sentem-no como uma obrigação. A leitura deve dar prazer, especialmente aos mais novos, que ainda se estão a formar como leitores. «A Isabel, enquanto comissária do Plano Nacional de Leitura, foi a muitos países. Em Inglaterra, em turmas difíceis, os livros dados nas aulas chegam a ser biografias de futebolistas. É por aí que se começa, se for preciso», salienta Ana Maria Magalhães, acrescentando que não há um livro que agrade universalmente a todos. «Em Inglaterra só há um autor considerado indispensável: Shakespeare. E são os professores a escolher qual a peça mais adequada para a turma. Essa perspectiva de abertura levou a que no Norte da Europa se avançasse mais que no Sul», explica Isabel Alçada. «Mas estamos no bom caminho. Claro que quando se estuda literatura temos que ler autores centrais na nossa cultura. Antes disso não. É preciso criar o essencial: o gosto por ler. Há que consolidar esse gosto para que depois se queira ler autonomamente». As autoras de ‘Uma Aventura’ têm conseguido contribuir, inegavelmente, para isso.