janeiro 25, 2015

De Miguel Torga, "A Criação do Mundo"....


Coimbra, 4 de Abril de 1958 

Estávamos os dois na mesma situação: a ambos nos tinham roubado a infância. A guerra a um, e a pobreza a outro. E justifiquei-a, a justificar-me:
- Somos adultos-meninos. Enquanto crianças, não nos deixaram ser o que éramos. Por isso, agora, recusamo-nos a ser o que somos.

Diário VIII, 1959, in, Miguel Torga Vols.V a VIII, Leya

"O aviador interior" de Manuel António Pina




O aviador interior

O ar não se vê
não se sente não se ouve
mas quanto mais se sobe
mais não sei quê
E quando se sobe
sem sair do chão?
quando a cabeça se move
e o resto do corpo não?
A cabeça subindo
pelo lado de dentro
e o teu pensamento
tão limpo e tão lindo
Tão maravilhoso
como o dum matemático
tão rigoroso
como o dum mágico
Embora às vezes não pareça
embora te digam que não
tens um campo de aviação

janeiro 22, 2015

Versos de Sebastião da Gama...

"Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não frutos,
pelo Sonho é que vamos."
 

Sebastião da Gama






Prosa de Miguel Torga...

 
Miguel Torga

Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem. A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.

Poema de Álvaro de Campos....

 
"Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero."


Álvaro de Campos

"Ode ao gato" de JOSÉ JORGE LETRIA....


JOSÉ JORGE LETRIA, in ANIMÁLIA ODES AOS BICHOS
(Sociedade Protectora dos Animais, Lisboa, 1999)

ODE AO GATO

Tu e eu temos de permeio
a rebeldia que desassossega,
a matéria compulsiva dos sentidos.
Que ninguém nos dome,
que ninguém tente
reduzir-nos ao silêncio branco da cinza,
pois nós temos fôlegos largos
de vento e de névoa
para de novo nos erguermos
e, sobre o desconsolo dos escombros,
formarmos o salto
que leva à glória ou à morte,
conforme a harmonia dos astros
e a regra elementar do destino.


Ilustração de André Letria

Mote para uma aula de Biologia...A Cascata da Fraga da Pena .....


A Cascata da Fraga da Pena é uma queda de água
na Serra do Açor e que se localiza nas
proximidades da aldeia de Benfeita, Arganil,
no Distrito de Coimbra, em Portugal....


Esta cascata tem origem num acidente geológico
e é considerada uma das maiores mais valias
entre os recursos naturais
da paisagem protegida da Serra do Açor.
As águas que se despenham desta cascata
correm por um vale muito apertado na montanha,
dando assim origem a uma micropaisagem,
que surge de forma repentina,
dotada de vegetação abundante a cobrir o xisto.
O desnível da Cascata da Fraga da Pena
chega aos 20 metros de altura.
A sua alimentação provem da Barroca das Degrainhas,
onde forma um primeiro lençol de água,
águas estas que escorrem para outro menor
e dando novamente origem a outra cascata.

Poema de Eugénio de Andrade....

Na orla do mar,
no rumor do vento,
onde esteve a linha
pura do teu rosto
ou só pensamento
- e mora, secreto,
intenso, solar,
todo o meu desejo -
aí vou colher
a rosa e a palma.
Onde a pedra é flor,
onde o corpo é alma.


Eugénio de Andrade