junho 27, 2014

Da lenda à História: Olisipo

Da Lenda à História ...

Da lenda à História: Olisipo.
Imagem: Planta de Lisboa em 1795 da obra "Travels in Portugal" MURPHY, James, 1760-1814
Copia disponivel em: http://purl.pt/17093 — com Joe Bucks.
Ora conta a lenda que a costa que hoje é a de Lisboa, tinha um estranho nome: Ofiusa - que quer dizer "Terra de Serpentes". As serpentes tinham a sua rainha. Uma rainha muito estranha, metade mulher, metade serpente...senhora de um olhar feiticeiro, e de uma voz muito meiga.
Às vezes, esta estranha rainha subia ao alto de um monte e gritava ao vento, só para que pudesse ouvir a sua própria voz:
"Este é o meu reino ! Só eu governo aqui, mais ninguém! Nenhum ser humano se atreverá a pôr aqui os pés: ai de quem ousar!Pois as minhas serpentes, não o deixarão respirar um minuto sequer!".
De facto, durante muito tempo, ser humano nenhum se aventurou a desembarcar nesta costa que se pensava estar amaldiçoada pelos deuses e também pelos homens.
Porém um dia, vindo de muito longe, um herói lendário chamado Ulisses, famoso pelas suas aventuras guerreiras, atracou na cidade.
Ficou deslumbrado com as belezas naturais que viu e ao desembarcar subiu a um monte, e com a sua máscula voz, gritou ao vento:
"Aqui edificarei a cidade mais bela do Universo ! E dar-lhe-ei o meu próprio nome: será a Ulisseia, capital do Mundo !"
E a sua profecia concretizou-se... e hoje, embora não tenha o nome dado pelo herói mitológico grego "Ulisseia", é uma das mais belas cidades do Mundo, e chama-se LISBOA.
Cit. a partir de http://lisboa.blogs.sapo.pt
Há quem afirme que Lisboa seja uma corrupção de Ulisseia, que, no tempo dos Romanos, derivou para Olissipo e que originou o topónimo Lisboa.
No entanto, vale a pena retomar a história, melhor, a lenda, tal como nos foi contada pela Monarchia Lusitana e pelos historiógrafos alcobacenses.
E mais há quem afirme que as sete colinas mais não são do que nós da serpente que enfurecida os deu sobre si própria ...e ainda quem relacione a ocupação de sete colinas com a fundação mítica de Roma, também ela cidade de sete colinas.
Mas independentemente desta proveniência lendária popular foi Frei Nicolau de Oliveira (...) empenhado em arranjar um paralelo apressado com a cidade de Roma que as referiu pela primeira vez no século XVII. Com o crescimento urbano, estendeu-se a outras elevações e, no século XVI, Damião de Góis já a descrevia espalhada por cinco colinas: Esperança, São Roque, Sant'Ana, Senhora do Monte (ou Santa Catarina do Monte Sínai) e Castelo (ou São Jorge)..
cit. a partir de Wikipédia
O que levaria a que os autores atribuissem a fundação de Lisboa ao Herói Ulisses, já se questionaram muitos, mas vale a pena atender às palavras de Aires A. Nascimento:
«Olisipo (situada nesse promontório em que só o horizonte separa as terras e o mar – Plin., Nat. 2. 14, 4, 113) representa, a Ocidente, essa cidade de finisterra, onde os homens se detiveram frente ao Oceano – olhando o futuro (como enunciou em dias mais próximos de nós o poeta Fernando Pessoa) e imaginando o passado como garantia de êxito. Tem essa cidade traços da romanização, embora não tão largos como os de outras cidades – nomeadamente Mérida, a antiga capital da província da Lusitânia, a que Olisipo pertenceu administrativamente. Tem a cidade um nome que remonta a outras gentes; a ele se tem procurado inutilmente dar significado transparente, mas a etimologia não é segura e não permite assegurar motivação certa quanto a uma interpretação correspondente a factores geográficos (acidentes orográficos ou amenidade climática)».
(...) Segundo os geógrafos, Olisippo representa no extremo ocidental a transposição de um processo urbano que, “começado no Levante, se estende pouco a pouco a todo o mar interior e transbordou para as costas oceânicas mais próximas”.Porque lhe foi associado o nome de Ulisses, o herói grego que, segundo os poemas homéricos,não terá passado de Ogígia, algures no Mediterrâneo?
Ulisses é o herói dos limites – ultrapassados ou negados, mas, ao menos enfrentados: é atirado para além dos “homens que comem pão”; não fica pelos “espaços dos homens afastados”, como Menelau; entra “nos espaços dos não-humanos” – tanto do mundo animal (corre o risco de ser transformado em irracional por Circe) como do mundo divino (Calipso promete-lhe a imortalidade) e do mundo dos mortos (onde consulta Tirésias), tendo tido para isso que passar para além da corrente do Oceano que rodeia a Terra.
Segundo a elaboração de Dante (Inferno, XXVI), Ulisses é o homem fascinado pelo desconhecido e condenado por acrescentar a outras culpas a de incitar os seus companheiros a buscarem tal desconhecido sem virtute e conoscenza, ultrapassando, em follo volo, as Colunas de Hércules, limite previsto por Deus para o mundo dos homens.
Ulisses em Lisboa: mito e memória
AIRES A. NASCIMENTO
Academia das Ciências de Lisboa (Classe de Letras)
http://andre.catus.net/blogue/AcademiacienciasULISSES2.pdf
Contudo, são estas as referências de Geógrafos da Antiguidade sobre Olisipo, referindo-se-lhe assim Plínio: «Uma embaixada de olisiponenses, para esse efeito enviada, anunciou ao imperador Tibério que tinha sido visto e ouvido, numa gruta, tocando búzio, um Tritão cuja forma é bem conhecida. Também não é falsa a ideia que se tem das Nereides, com o corpo coberto poe escamas, mesmo na parte em que têm figura humana. De facto, também na mesma costa se avistou uma em agonia e cujo canto triste os habitantes ouviram ao longe».
Plínio (N.H. 9,9). Versão comentada por Amilcar Guerra, Edições Colibri, 1995.
«O Tejo dista do Douro duzentas milhas, ficando entre eles o Munda. O Tejo é famoso pelas suas areias auríferas. Distando dele cento e sessenta milhas, ergue-se o promontório Sacro, aproximadamente a meio da parte frontal da Hispânia». (Plínio H.N. 4, 115).
Diz-nos Varrão que (...) entre o Anas e o promontório Sacro habitam os Lusitanos. para lá do Tejo, as mais notáveis cidades da costa são Olisipo, célebre pelas éguas que concebem do favónio, Salácia, cognominada urbs Imperatoria, Meróbriga e, entre os promontórios Sacro e Cúneo, os ópidos se Ossónoba, Balsa e Mírtilis», (Plínio H.N. 4, 116).
«Nas margens do rio fortificou Olisipo para ter mais livre o curso da navegação e o transporte dos víveres (...) O rio é muito rico em peixe e abundante de ostras» (Estrabão, Livro 30, I Parte), diz-nos Estrabão referindo-se a um dos momentos da conquista da Lusitânia por Décimo Júnio Bruto, em finais do século II a.C., quando encontra junto ao estuário do Tagus a antiga povoação de Olisipo, entreposto de Fenícios e Gregos.
Municipium Civium Romanorum, Felicitas Iulia Olisipo era o nome porque foi denominada esta cidade, a partir do século I a.C.
Durante as guerras Púnicas, após a derrota de Aníbal, os romanos apoderaram-se da Hispânia, como acima referimos .
Após a derrota dos cartagineses por Scipio Africanus na Hispania Oriental, a pacificação do Ocidente foi liderada pelo cônsul Decimus Junius Brutus Callaicus.
Ao que se sabe, terá obtido a aliança de Olisipo na luta contra Lusitanos e Galaicos, integrando esta povoação, onde já deveria existir um conventus civium Romanorum, segundo José Cardim Ribeiro, no Império, em 138 a.C., altura em que foi fortificada.
Sabe-se que cerca de 30 a.C., a cidade torna-se um Municipium Civium Romanorum.
A localização de Olisipo deve-se, muito possivelmente, ao facto de ser um local priveligiado do ponto de vista topográfico «ponto de confluência entre realidades mediterrânicas e atlântico-continentais, condicionando também decisivamente e nos seus mais diversos aspectos, a romanização da cidade e território envolvente. A este facto se encontra, por exemplo, intimamente ligada a acção militar empreendida por Decimus Iunius Brutus, em 138 a.C. (...). O amuralhamento de Olisipo deve ser entendido como um dos fundamentais preparativos que antecederam as campanhas contra Lusitanos e Galaicos: na verdade, Brutus só fortificaria a cidade se lhe tivesse reconhecido prévia e inequívoca adesão à causa romana, e a considerasse seguramente fiel, inclusive numa eventual adversidade - ou seja, em conjuntura de derrota». José Cardim Ribeiro, Felicitas Iulia Olisipo, 1994, in Separata de Al-Madan, admite, portanto que à época da campanha de Brutus já Olisipo fosse fortemente romanizada.
É com Júlio César que recebe a denominação Felicitas Iulia, passando a ter os seus habitantes a cidadania romana