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fevereiro 13, 2018

A história do Carnaval


O Carnaval é, exclusivamente, um período de festas profanas e de divertimentos entre os Reis e a Quaresma, com o seu auge nos três dias anteriores à quarta-feira de Cinzas. Não se conhece verdadeiramente a origem da palavra Carnaval. Para uns, compreendia a terça-feira gorda, dia em que começava a proibição de ingestão de carne pela Igreja, como preparação para a Páscoa. Outros, procuram no latim a explicação para o vocábulo: carnelevamen, depois carne,vale ("adeus, carne"). Carnelevamen pode significar igualmente carnis levamen, "prazer da carne", antes das abstinências e prescrições que marcam a Quaresma.

História

A origem da festa em si é também desconhecida. Uns advogam o culto de Ísis, outros as festas em honra de Dionísio, na Grécia clássica, outros ainda as bacanais, lupercais e saturnais, festejos romanos de grande licenciosidade e uso de máscaras, como aliás nas anteriores. Alguns não recuam tanto no tempo e apontam as suas origens para as festas dos doidos e dos inocentes da Idade Média. Cada uma em particular ou todas assimiladas na tradição acabaram por criar a tradição do Carnaval e as suas matizes ou formas regionais.
Depois, na Idade Média ainda, outras festas anunciavam já o Carnaval, apesar da Igreja não apreciar muito, ainda que tolerasse e não criasse barreiras institucionais ou morais incontornáveis. O papa Paulo II, no século XV, por exemplo, permitiu, em Roma, a Via Lata, um desfile alegórico de carros, com batalhas de confetis e lançamento de ovos, para além de corridas de cavalos ou de corcundas, entre outros folguedos. 
Mas todas estas festas populares grotescas foram "polidas" pelo Renascimento e pela Reforma Católica, acabando-se com a violência e ousadias públicas. O tétrico e o macabro, por outro lado, substituem o carácter de festa de "bobos" daqueles folguedos medievais. Surgem as danças da Morte e suas representações cénicas, os bailes de máscaras, promovidos pelo papado, decadente, do século XVI, que rapidamente se difundiram por Itália e França. 
Aqui se manteve até ao século XIX, quando ganha um novo vigor. Em Inglaterra ganha também popularidade este tipo de baile (como o de 1884 promovido pelo Real Instituto de Pintores e Aguarelistas, em que os pintores ingleses se mascararam de mestres do Renascimento ou de figuras da realeza europeia). Perdia em festa "bufa" e de rua, ganhava em elegância, alegoria, ordem e requinte artístico, para além de tocar agora as classes mais abastadas, antes arredadas dos festejos populares. Bailes e desfiles organizados tomavam, na Europa Ocidental, o lugar das turbas de gente etilizada e aos gritos. Este "novo" Carnaval europeu surgiu em fins do século XIX e meados do XX, sobrevivendo ainda hoje, como por exemplo em Nice ou Munique.

O Carnaval em Veneza e Nova Orleães

Imaginação, "faz de conta", máscaras, subtileza, charme e mistério, eis algumas das tonalidades que matizam o Carnaval dito "temperado", ou do Velho Continente, ainda que em Portugal apareçam já em profusão irreversível "carioquizações" nos festejos que por todo o lado surgem na quadra. Veneza continua a ser a capital do esplendor, da folia, da subtileza do efémero que cada máscara representa, da ultrapassagem dos sentidos, enfim, o Carnaval mais requintado do Mundo, provavelmente.
As máscaras representavam, primeiramente, os criadores do Inferno. Depois, os disfarces da Comedia Dell´Arte mesclaram-se com as máscaras pretas ou brancas, trazendo teatralidade e expressão, embora se tenha caído também numa libertinagem "encoberta" no mistério de um disfarce, onde o prazer mandava. Até mesmo freiras se terão disfarçado de capa e máscara para procurar devaneios proibidos... Depois de uma certa letargia, o luxuoso e caro Carnaval veneziano - como a cidade - ressurgiu em pompa e estilo após 1980, impulsionado pela célebre Bienal de Arte. 
Outro Carnaval não tropical - mas já com temperaturas mais altas - é o de Nova Orleães, no estado americano da Luisiana, de inspiração francesa e africana, como tudo na cidade. É o Carnaval do jazz ou da música cajun, das festas loucas nas ruas durante três dias, é mesmo o Carnaval mais mestiço da América (do Norte, diga-se), fazendo lembrar os festejos da quadra levados a efeito pelos estudantes de artes nas capitais europeias nos anos 20 e 30 do século XX. Nova Orleães explode em alegria, cor e música: no Carnaval a população negra e mestiça torna-se rainha na cidade, embora todos, num turbilhão de raças e estilos, se juntem à festa.
O Carnaval no Brasil
Mas, Carnaval, dizem alguns, só há um: o do Brasil, e mais concretamente o do Rio de Janeiro. Até meados do século XX, o Carnaval - que assume várias facetas, conforme a cidade - era ainda o colonial e monárquico, com reminiscências das festas de entrudo levadas pelos colonos e imigrantes, maioritariamente portugueses. As pessoas, de forma violenta, atiravam umas às outras cal, farinha e água, num intuito de besuntar ou molhar quem passava. No Rio, tudo isto foi proibido em 1904, gerando polémica e contestação entre o povo. 
Depois, alimentando uma tradição anterior, ganharam dimensão festiva os zé-pereiras de herança portuguesa, entre o povo, e os bailes em teatros, hotéis ou casas particulares, fazendo-se eco das festividades que começavam a ser moda na Europa na quadra. Como exemplo, ficaram célebres os bailes do Teatro Municipal, no Rio, entre 1930 e 1975. 
Os bailes, entretanto, popularizaram-se rapidamente, ganhando em animação e cor, com muita música. Música que ganhou contornos próprios na quadra, com ritmos, letras e melodias específicos. Da marcha Abre Alas de Chiquinha Gonzaga, em 1899, outros géneros foram surgindo: o samba, a marcha-rancho, a batucada e o samba-enredo. A música carnavalesca tornou-se assim um género específico até 1960. Recordem-se aqui canções como Cidade Maravilhosa (1935) e Mamãe eu Quero (1937). 
A rádio ajudou à consolidação deste género carnavalesco, mas a televisão, a partir da década de 70, minimizou a música carnavalesca. O aspeto visual ganhou em importância ao musical, guindando as escolas de samba e o cortejo carioca para o momento mais alto do Carnaval do Rio e de toda a quadra em qualquer lugar do Mundo. Mas o samba não morreu, prevalecendo principalmente a sua forma "enredo", animada cada vez mais pelas baterias, cujos sons foram importados já por outros géneros musicais modernos e diferentes. 
As escolas de samba são outra marca de identidade do Carnaval carioca. A primeira foi criada em 1928, a "Deixa Falar", no bairro de Estácio. A praça Onze tornou-se no local mítico de concentração das escolas de samba nos dias de Carnaval, incentivando-se assim, de ano para ano, graças à animação, o aparecimento de novas escolas e a formação até de campeonatos com sobe e desce de divisão. 
Hoje são autênticas empresas de espetáculos, devidamente registadas, muitas já com intuitos de solidariedade social. Há regras próprias dentro das escolas de samba, quer de admissão, quer de permanência, quer, em comum com as outras, de atuação dentro de um desfile de Carnaval. No entanto, são as escolas que mais animam o Carnaval, atraindo uma miríade de colaboradores ao longo do ano e um frenesim inusitado na época do Carnaval.


Além das escolas, outros baluartes da preservação e manutenção do Carnaval carioca são as Sociedades Carnavalescas, com as suas "Sumidades", funcionando como altas dignidades do rei momo. O Carnaval do Rio é também o Carnaval da liberdade, fora do sambódromo, fora dos desfiles, em passeatas em grupo (blocos, cordões, ranchos), em festas particulares e num sem número de atividades e comemorações mais ou menos licenciosas por todo o lado. Antigamente, existiam também os corsos, com desfiles de automóveis enfeitados, mas o aparecimento de automóveis fechados (e fim dos "calhambeques") acabou com esta tradição.
No Brasil, existem outras formas de Carnaval, como o da Baía, de tradição africana (como o cortejo dos afoxés), com sonoridades e ambientes diferentes do Rio, ou os de Olinda e Recife, em Pernambuco, também no Nordeste, igualmente animadíssimos e marcados pelas músicas de ritmo frenético e contangiante, em batidas sincopadas a par de instrumentos de sopro.
O Carnaval em Portugal
No calendário cerimonial anual português, o Carnaval é um dos mais importantes "ciclos" festivos. Assume particular destaque atualmente nos meios urbanos, mas possui, ao mesmo tempo, ainda características muito próprias nos meios rurais tradicionais. Aqui é anunciado, por exemplo, ainda antes dos três dias que decorrem entre o Domingo Gordo e a Terça-Feira Gorda, por celebrações preparatórias, dir-se-ia, como, por exemplo, as dos "dias dos compadres e das comadres". 
Os antropólogos conotam a estas celebrações rituais de glorificação do próprio grupo sexual no respetivo dia - homens na quinta-feira dos compadres e mulheres na quinta-feira das comadres (esta tradição é muito forte em Lazarim, Lamego). As troças (com uso de chocalhos, como no Alto Alentejo), perseguições e solidariedade dentro de cada grupo (no dia das comadres, até as mães são "contra" os filhos varões e os pais, no dos compadres, "contra" as filhas", por exemplo) são as marcas visíveis destes festejos, para além da exibição de bonecos jocosamente alusivos ao "outro sexo" nos dias de cada grupo (compadres ou comadres). Cotejos próprios de cada grupo ou casamentos fictícios, por sorteio, ocorrem em certas regiões, como no Alentejo. Outras regiões há em que as mulheres dão aos homens uma refeição melhorada, no dia das comadres, retribuindo os compadres, no seu dia, aquele favor culinário.
Quanto ao Carnaval propriamente dito, os seus rituais são mais ou menos comuns a todo o País, à exceção dos "cardadores" de Ílhavo ou das danças de Carnaval na ilha Terceira, Açores. 
As características comuns do Carnaval em Portugal são essencialmente quatro: 
- ausência completa de restrições alimentares quantitativas e qualitativas, com a ingestão de carnes de toda a espécie, desde a orelheira no Norte ao galo em outras regiões, para além das sobremesas da quadra como o arroz doce e as filhoses. Os bodos são um exemplo festivo desta componente alimentar. Os excessos alimentares carnavalescos são entendidos, por outro lado, como contraponto aos jejuns e abstinências quaresmais.
- uso de máscaras, essenciais nos festejos mas sem relação alguma com rituais específicos, como noutras regiões da Europa (Veneza, Colónia...)
- exibição e destruição de manequins/bonecos de tipo burlesco, com carácter jocoso, visível nas paródias aos enterros (como o do "João"). 
- As "pulhas" carnavalescas, ou sátiras de acusação e provocação, direta e humorística, por vezes com tom ofensivo. 
Estas três últimas constantes revelam outra oposição - a da transversão ou subversão momentâneas da ordem normal (sem desacatos organizados), licenciosidade, certa rutura, excessos - à Quaresma, tempo de rigor e disciplina, contenção e discrição.
Estas características podem ser vistas também numa perspetiva de comemoração da transição entre dois ciclos, o do inverno e o da primavera, com o Carnaval a antecipar os rituais ligados a ideias de regeneração da fertilidade ou de retorno à abundância, as quais marcam as cerimónias do ciclo primaveril.
Os mais conhecidos carnavais de Portugal são os de Loulé, Ovar, Torres Vedras, Canas de Senhorim, Madeira, Alcobaça ou da Mealhada, alguns mesclados com tradições importadas - do Brasil ou de Itália - mas espontaneamente assimiladas pelos foliões portugueses e perfeitamente enquadradas no carácter de liberdade e animação popular.

Carnaval em Roma, 1650 - Johannes Lingelbach 
Celebrações do Carnaval na Holanda, 1490, Hieronymus Bosch 
Jogos durante o Carnaval,  Rio de Janeiro, c. 1822 - Augustus Earle